segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Encontros com o Património - Eira de Lamelas





Verão é a altura ideal para a descoberta. Deixo, por isso, uma sugestão para desfrutar:

É com o intuito de divulgar o património de Ribeira de Pena que se iniciam estes “Encontros com o Património”, rubrica nova do Ecos da Ribeira que levará junto dos leitores os lugares patrimoniais mais interessantes do nosso concelho, tão rico em vestígios históricos e artísticos, alguns de grande beleza. O objectivo destes artigos é, não só dar a conhecer, mas também convidar à visita que, acreditem, vale a pena. Se alguns locais são por todos conhecidos, outros há que serão, certamente, uma agradável descoberta.
Para este primeiro artigo, escolhi um dos locais mais importantes do nosso concelho que tem caído no esquecimento e que, por isso, merece maior atenção. Falo-vos das gravuras rupestres de Lamelas.
Trata-se de uma eira de grande extensão, localizada numa clareira aplanada do pinhal de Lamelas, totalmente coberta de símbolos gravados na pedra. Estes símbolos (cruzes, formas geométricas simples e compostas, linhas e covinhas) dão um significado religioso e místico a este local desde a Antiguidade. Terão sido gravados em épocas diferentes desde o Neolítico (que nesta região terá começado há cerca de 5.000 anos), altura em que o Homem começa a praticar a agricultura e possui uma religião relacionada com a fecundidade e a produção agrícola. Os símbolos remetem-nos para o culto do sol e das estrelas, revelando, assim, um local de culto que seria usado para as festividades agrárias anteriores ao cristianismo. Dada a sua extensão, é provável que tenha sido uma espécie de santuário onde sazonalmente ocorriam os povos da região, suspeita que levou Manuel Martins a baptizar o local como “Santuário Rupestre” na sua publicação sobre este sítio*. A comprovar a sua função de culto estão também algumas covas abertas nas rochas que circundam o local (possivelmente utilizadas para suportar traves de madeira) e uma grande fossa oval (elemento comum utilizado nos rituais religiosos). Há ainda a notícia de mais rochas gravadas na zona que se terão perdido.
Há também quem veja nestes símbolos uma primeira forma de escrita dos povos desta região da Europa, que utilizavam a pedra como suporte.
Estes locais são, aliás, comuns no nosso concelho. Para além deste, o mais importante, é de especial interesse referir a pedra da Corga do Fieiro, em Canedo, e as lages de Vaca da Cana, em Vilarinho, com símbolos gravados semelhantes aos de Lamelas. Outros estarão ainda por identificar (note-se que as gravuras de Vaca da Cana foram descobertas há pouco tempo). A importância de Lamelas está comprovada a nível nacional com a classificação como Imóvel de Interesse Público pelo IPPAR desde 1986, sendo referência obrigatória para qualquer estudo da especialidade.
A tradição popular atribui a este local a lenda comum de possuir um tesouro escondido, que pode ser revelado através do brilho de uma jóia sob a luz do sol. Outra lenda possui um ritual que ainda há poucas décadas era praticado por alguns aventureiros. De acordo com a tradição, em determinada fase da lua era possível colocar a descoberto um tesouro (composto por uma grade, um arado e um timão em ouro) durante a noite, através da leitura no local do livro de São Cipriano. Se o leitor não revelasse medo, em determinada parte da leitura surgiria um animal (boi, cavalo, bode…) que indicaria o local onde este se encontrava escondido. Mas se a leitura fosse interrompida o leitor desaparecia o que, na dúvida, levou muitos a passarem a noite ao relento em empenhada leitura com medo de não voltarem de tão ousada demanda.
O acesso é feito a partir do Parque de Lazer de Lamelas, através da estrada florestal, seguindo depois pela segunda bifurcação à direita. A laje encontra-se no lado direito do caminho, mesmo antes de este começar a descer. É um local magnífico para desfrutar em dias de sol, de paisagem imaculada, dando ainda hoje uma sensação mística ao visitante.


*MARTINS, Manuel José Carvalho, O Santuário Rupestre de Lamelas, Ribeira de Pena, Câmara Municipal, 1981.

Artigo publicado no Jornal Ecos da Ribeira nº 175, de 30/4/2010.

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